quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Trama de O Jogo - Parte II

Demorou, mas aí vai. Segunda parte da trama. Ainda falta construir as relações entre Guerreiros, Martelo de Deus, Serviços Secretos, Grupos Guerrilheiros e facções religiosas.
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O Jogo - Argumento da trama - Parte II


Os Lords Supremos são pessoas acostumadas a lidar com o jogo internacional de poder e dinheiro. Não admitem perder, e buscam sempre maiores ganhos. Pelo Código Sagrado, devem evoluir biologicamente os seres humanos considerados “inferiores” (isto é, qualquer um que esteja fora da Aliança), e depois testa-los em lutas de vida ou morte. Isso mantém os gastos sempre em patamares assustadores, independente do lucro.

Passado o tempo, alguns começaram a perceber que a Aliança não seria um bom negócio. Haviam outras formas de ganhar dinheiro com um custo-benefício maior e menores perigos. Divididos entre momentos de euforia, pelas apostas ganhas, e de intenso descontentamento, os Lords começavam a se se dar conta de que na verdade estavam dentro de uma armadilha. Pouco a pouco a estrutura ideológica da Aliança se fragilizava. Haviam outros motivos para que isto ocorresse:

1. A sombra constante da Martelo de Deus assustava. Seu caráter ultra secreto fazia com que ninguém confiasse em ninguém. Pior era saber que nada a impedia de voltar-se contra os Lords;
2. Os guerreiros estavam ficando fortes demais, levantando o temor de algum dia saírem do controle;
3. A violência crescente dos combates começava a envolver pessoas inocentes, tornando cada vez mais difícil esconder as atividades clandestinas. Diga-se de passagem que toda a estrutura do jogo além de ilegal em praticamente todos os países, era também antiética e anti religiosa.
4. Os retornos poderiam ser muito maiores se o guerreiro ou sua tecnologia pudesse ser negociado fora do jogo;
5. As atividades já causavam a desconfiança dos serviços secretos de alguns países, que eram mantidos longe pela Martelo de Deus. No entanto, como as atividades estavam cada vez mais públicas, cedo ou tarde a verdade iria aparecer.
6. Na ânsia por ganhar sempre, os Lords estavam trapaceando, criando complôs e praticando deslealdades entre eles.
7. Não bastassem as tensões internas, vez ou outra fatos estranhos levavam a crer que alguém estava sabotando e espionando os laboratórios. A Martelo de Deus, no entanto, não tomava atitude, e os relatórios mencionavam apenas que as provas levantadas não eram conclusivas o suficiente para levar a um culpado.

O caso mais importante aconteceu com Lord Escher. Bilionário, quinto homem mais rico do mundo, atuava no ramo farmacêutico e era apaixonado por engenharia genética. Conseguiu fazer o guerreiro mais forte de todos os tempos. Depois de sucessivas vitórias, sua invencibilidade abriu um debate sem precedentes dentro da Aliança: a característica de qualquer jogo é a possibilidade de ganhar ou perder. Se a vitória estiver previamente declarada então não há jogo, e a razão de ser da Aliança se perde.

Pouco tempo depois, o medicamento de maior vendagem de sua empresa foi acusado de aumentar em 30% as chances de o paciente ter cirrose. A vigilância Sanitária de muitos países proibiram a compra, as vendas caíram e os processos na justiça se multiplicaram da noite para o dia. Outros dez dos mais rentáveis foram suspensos preventivamente, e contratos milionários foram cancelados.

No meio da crise, altos funcionários o acusaram de manter um esquema de lavagem de dinheiro, e auditorias posteriores levaram a conclusão de que haviam um rombo bilionário em suas contas. Os mercados reagiram mal e o preço das ações despencou, aumentando o prejuízo. Dia após dia novos problemas apareciam, suas finanças perdiam fôlego e seu capital decrescia.

No meio da confusão sua única filha viajou de férias para o Egito, e foi sequestrada por um grupo terrorista islâmico. Sob pretexto de ser um aviso as mega corporações estrangeiras, foi executada pouco antes que os militares invadissem o cativeiro. Seu guerreiro poderia ter chegado a tempo de salva-la.

Após a morte de sua herdeira, Escher entrou em depressão e começou a questionar sua vida, sua riqueza e a crueldade do jogo, além das limitações impostas pelo Código Sagrado. Tornou-se Lord Mediador e usou os poderes do cargo para descobrir informações que permitissem identificar e desarticular a Martelo de Deus. Buscava com isto criar as condições para que a Aliança se desfizesse.

Vendo que seria impossível neutralizar a Martelo, e ciente de que sua ousadia era equivalente a um atestado de óbito, optou por atacar o grupo de fora para dentro, imaginando que em algum momento a luta se tornaria pública pela sua própria violência. Para isto, utilizou grupos distintos, atuando cada qual por sua própria ambição, levando-os a se chocarem entre si, com a Aliança e com a Martelo.

Contratou um hacker muito habilidoso, e inspirado nos modelos celulares e na seleção natural, criou um vírus de computador que se dividia em diferentes partes, todas independentes. Estas se multiplicavam aleatoriamente para o máximo de máquinas possível e, uma vez hospedadas, não faziam absolutamente nada além de continuar se multiplicando. Em cada réplica do vírus havia fragmentos de informações sobre a Aliança. As partes do vírus eram programadas para, quando estivessem novamente juntas em uma mesma máquina, se reagruparem e formarem um outro programa maior, que vasculhava o computador hospedeiro e suas comunicações pela internet em busca de informações previamente determinadas. O levantamento desenhava o perfil do usuário, que era então comparado com um modelo determinado por Escher, a fim de confirmar a identidade. Só então liberariam o material codificado. Desta forma, ele poderia acertar um alvo sem mirar diretamente nele. Em um único ato, tornaria público o que estava acontecendo, sem que a Martelo de Deus interceptasse a mensagem.

Os vírus foram programados com diferentes informações para diferentes alvos. Mirou em grupos que possuíam interesses distintos, apostando que tendiam a se destruir mutuamente. A luta entre os grupos não poderia passar despercebida da população, e forçaria alguns países a reagir. A Martelo teria de enfrentar todos simultaneamente.

Os alvos de Escher foram cinco tipos:

· Grupos terroristas e separatistas, que poderiam se interessar em usar os guerreiros como arma;
· Líderes religiosos da igreja Católica e setores ultra radicais islâmicos;
· Diversas sequências de reprogramação cerebral, endereçadas ao cérebro dos guerreiros;
· Grupos ativistas dos direitos humanos;
· Uma carta de despedida, endereçada a um leitor aleatório;

Em poucos minutos a informação corria silenciosamente o mundo, em busca das máquinas hospedeiras com as características desejadas.

Escher foi encontrado em sua casa morto, na manhã seguinte. O laudo atestou overdose de cocaína, embora parentes e amigos íntimos tentassem em vão dizer a imprensa que ele não usava drogas. No mesmo dia as empresas de antivírus anunciavam ter descoberto uma nova ameaça, a qual se alastrava com extrema facilidade e ainda não tinha um efeito conhecido. Recomendavam atualização dos programas em caráter de extrema urgência. Nunca mais se ouviu falar do hacker.
(CONTINUA...)

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Trama de O Jogo - Parte I

Pessoal, estive nestes dias com muitos problemas, inclusive precisei deixar a cidade de Paulo Afonso. No entanto, nada que prejudique o projeto. Para não perder muito tempo, aí vai a trama da história. Vou escrevendo os textos oficiais depois, com mais calma. Com este material já dá para ir se articulando e construindo o restante do RPG.

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O Jogo - Argumento da trama - Parte I

Alguns dos homens mais ricos do mundo reuniram-se para criar um jogo de apostas, onde pessoas comuns são sequestradas e modificadas biologicamente para servirem de super soldados. O grupo se auto denominou Aliança Divina, e cada membro foi chamado de Lord Supremo. Os super soldados foram chamados Guerreiros. A Aliança é regida por um conjunto de normas chamado Código Sagrado.


Código Sagrado


I. O título de Lord Supremo é vitalício e irrenunciável. Uma vez que é convidado e aceita fazer parte da Aliança Divina, o iniciado se obriga a permanecer no jogo e apostar até o fim de seus dias.
II. Os Lords Supremos devem honrar sua palavra e suas apostas, praticando o jogo com seriedade, respeito e justiça.
III. A Aliança Divina não existe fora do jogo. Um Lord nunca comenta sobre ela e não fornece informações sobre sua existência, nem mesmo subentendido ou por códigos, inclusive se estiver apenas entre Lords.
IV. Os Lords Supremos são senhores na Terra, e devem ser soberanos nos dois Círculos de Poder reconhecidos pela Aliança:

a. O Poder Sobre o Mundo, que é a capacidade de dominar a natureza. Provará seu mérito evoluindo biologicamente os seres humanos inferiores para transforma-los no melhor guerreiro, apostando contra o risco de perder sua riqueza;
b. O Poder Sobre Si, que é o potencial de abdicar dos próprios interesses em nome de uma causa maior. Provará sem mérito honrando este código, que é desvantajoso para ele, por maiores que sejam os prejuízos de obedece-lo ou as recompensas de traí-lo. Contra isto apostará sua própria vida.


V. Todas as apostas devem envolver guerreiros em objetivos de vida ou de morte. Se o guerreiro morre, seu Lord perde a aposta; se vive e alcança o objetivo, seu Lord é o vencedor; se vive e não alcança o objetivo, empata: nem a meta foi dura o suficiente para mata-lo, nem ele foi forte o suficiente para se tornar vencedor.
VI. Os Guerreiros são máquinas essencialmente biológicas, controladas pelo Lord que as possui. O guerreiro que sair do controle será destruído; São necessariamente peças de um jogo. Nenhum Lord poderá ter contato ou induzir qualquer tipo de informação ou comportamento em seus guerreiros, exceto as necessárias ao desenvolvimento da partida; Não existem para o mundo exterior e não podem ser utilizados fora do ambiente do jogo, sejam quais forem as vantagens do uso ou os prejuízos da omissão.
VII. Nenhum objetivo poderá, em momento algum nem por nenhum motivo, levar um guerreiro a atentar contra outro Lord, sua família, seus bens ou seus amigos íntimos, sem o consentimento da parte ofendida.
VIII. Os guerreiros pertencerão a um único Lord. Quando este terminar seus dias, todos que tiver serão executados.
IX. Será considerado traidor o Lord que se levantar contra a Aliança, usar recursos externos contra ou a favor do jogo, ou revelar informações sobre sua existência. Comete o mesmo delito quem permitir por omissão que os outros o façam.
X. Estas leis são invioláveis. Qualquer um que as desobedecer morrerá.

Dentro da Aliança há uma hierarquia:


1. Jogador: Qualquer Lord quando está apostando;
2. Mediador: Lord que intermedia as apostas, um tipo de juiz. É escolhido pelos jogadores em comum acordo, e fica com parte dos valores apostados. Não participa da aposta. É responsável por determinar o ganhador, deliberar nos casos em que há duvidas e garantir o pagamento das quantias devidas;
3. Lord Mediador: O responsável por controlar todo o sistema de apostas. Considerado o cargo mais alto do grupo, é um tipo de administrador eleito de tempos em tempos. Ocupa o cargo quem tiver maior mérito nos Círculos de Poder. Os Lords se reúnem e avaliam a quantidade de vitórias, os níveis de dificuldade das partidas vencidas e os rendimentos das apostas. O que tiver maior pontuação é eleito. Ganha percentuais sobre quaisquer valores que circulem pelo jogo.

Guerreiros são pessoas pobres, às vezes marginais perigosos, sequestrados e modificados sem seu consentimento. Seu corpo é alterado para conseguir poderes maiores que os dos seres humanos comuns. As pesquisas, feitas por laboratórios secretos, buscam potencializar alguma função existente ou criar uma nova. A memória do guerreiro é apagada, e em sua cabeça é inserido um modem sem fios, que se comunica por satélite com o quartel general da Aliança. Através deste aparelho podem ser induzidos comportamentos e informações, além de monitorar seus sinais vitais.

O controle da Aliança sobre o guerreiro não é ilimitado. O sinal do modem sofre interferência de sinais eletromagnéticos e fica mais fraco quando há obstáculos acima da cabeça do guerreiro. As informações induzidas podem ser ignoradas se o guerreiro tiver força de vontade suficiente. No entanto, os guerreiros não sabem que são controlados: sentem a influência da Aliança como se fosse um forte desejo pessoal. Podem até perceber o objeto implantado na cabeça, mas não sabem para quer serve.

O cérebro do Guerreiro continua funcionando normalmente, apesar de ter a memória apagada. Ele não perde o poder de raciocínio nem a capacidade de recordar fatos posteriores a intervenção. Às vezes pode se lembrar momentaneamente de parte do passado, vendo-o como imagens desconexas e sem sentido. Pode ter crises de identidade, revoltas momentâneas, histeria, depressão profunda, e mudanças repentinas de humor. A agressividade é aumentada artificialmente, mas podem haverem momentos de intensa compaixão.

Modificar e inserir informações direto na mente humana é um procedimento complexo, que depende de muitas variáveis, algumas das quais não são possíveis de determinar com precisão. A existência de falhas no envio e na assimilação pelo cérebro podem provocar derrame cerebral, levar a loucura, induzir comportamentos inesperados, causar mal funcionamento de partes do corpo e, dependendo da parte afetada, morte. Por causa do alto custo de um Guerreiro, e pela necessidade de manter o sigilo do jogo, a Aliança evita manipula-los mais do que o necessário. Normalmente apenas questões mais essenciais, como coordenadas, objetivos, oponentes e limites são enviados, e as demais decisões são tomadas pelo próprio guerreiro.

A via de comunicação com o satélite da Aliança é bidirecional, ou seja, o Guerreiro poderia, em termos teóricos, também acessa-lo. Isso acontece porque a Aliança monitora os sinais vitais do guerreiro, e estas medições precisam retornar ao quartel general para serem interpretadas. Uma vez que os sistemas precisam interagir com a massa biológica do cérebro – que é por si mesmo uma grande máquina processadora de informações – o acesso no sentido reverso seria tecnicamente possível. Isso normalmente não acontece por três motivos:


1. O guerreiro não sabe que pode, nem sabe como acessar;
2. A Aliança bloqueia o acesso pela via reversa;
3. O guerreiro não domina os protocolos de comunicação com o servidor que dá acesso as máquinas, nem com o roteador que dá acesso aos outros guerreiros;

Os guerreiros, enquanto máquinas essencialmente biológicas, possuem capacidades sobre humanas mas também sofrem limitações de poder. Seu metabolismo é alterado, para comportar o gasto adicional de energia. Cansaço, sono, alimentação, tipo e quantidade de alimento, hormônios, longevidade, etc são diferentes em cada caso. O uso dos poderes também afeta todo o corpo. Por exemplo, correr excessivamente ocasiona cansaço físico, que por sua vez limita a capacidade de lutar e pular. Alguns poderes só podem ser usados uma única vez, necessitando depois de um período para repor as perdas e recuperar os danos. Quanto mais se usa um poder continuamente, sem descanso ou alimento, mais ele fica fraco e cai até deixar de se manifestar.

Os laboratórios que criam guerreiros são mantidos pelos Lords com dinheiro das apostas e, quando necessário, com seu próprio capital. Cada Lord, por questões de competitividade, possui seus próprios laboratórios. As informações relativas a tecnologia são guardadas com alto sigilo. Uma vez que valem dinheiro, elas também podem ser apostadas. No entanto, é estratégico que seu uso seja reservado. Esta abertura de informações só acontece em momentos de euforia ou quando o Lord passa por dificuldades financeiras.

A Aliança Divina mantém uma organização paralela e independente, chamada Martelo de Deus. É um grupo de extermínio com profissionais treinados em todas as formas possíveis e impossíveis de matar. Possuem acesso a todos os sistemas de informação do mundo, muito dinheiro, altíssima tecnologia e influência em todos os governos. Sua função é principalmente:


1. Manter os guerreiros dentro do controle da Aliança Divina;
2. Manter o jogo no mais alto sigilo;
3. Zelar pelo cumprimento Código Sagrado.

Exceto pelo item 2, os demais não interessam aos Lords. O item 1 significa prejuízo financeiro, porque os guerreiros custam muito caro. O item 3 significa exterminar os membros da Aliança que perderem a aposta no “Círculo Poder sobre Si”, ou seja, descumpriram alguma cláusula do Código Sagrado. Para desempenhar seu papel com a máxima eficiência, a Martelo de Deus não sofre influência dos Lords. É uma organização mais sigilosa do que a própria Aliança Divina. Nem mesmo o Lord Mediador sabe exatamente como funciona, nem quando vai agir. Nunca avisam o que vão fazer nem o que estão fazendo, mas prestam contas dos resultados.

O que se sabe da Martelo de Deus é o que foi definido quando esta foi criada: Existe um diretor administrativo, de identidade secreta, que gerencia toda a organização. Ninguém nunca o viu, mas seu codinome é conhecido como Neo-Zeus, algumas vezes Lord Zeus. Os valores de financiamento da organização são saqueados de contas bancárias previamente definidas pela Aliança, e os registros apagados em seguida. Eles monitoram toda a vida dos Lords e seus guerreiros. Possuem acesso aos sistemas de informática da Aliança, e podem inclusive acessar os modems inseridos nas cabeças dos guerreiros. Os agentes não sabem detalhe algum sobre a Aliança (sabem que combatem pessoas anormais, por prática da profissão) e sequer se conhecem entre si, apenas seguem ordens. São acionados por mensagens enviadas para locais estratégicos, que variam caso a caso quanto a forma, código, meio e etc – Um agente poderia estar ao lado de outro e receber uma ordem para elimina-lo, sem que este percebesse. Nenhum agente pode ser modificado biologicamente. Nenhuma ordem pode ser contrariada. O diretor administrativo sempre providencia para que os relatórios cheguem nas mãos do Lord Mediador dentro do prazo correto, mas não existe um padrão de envio. Não há escrúpulos nem limites de atuação, é permitido usar todos os meios possíveis para cumprir com suas obrigações.

A Martelo de Deus é criteriosa e perfeccionista. Após as partidas, ela se encarrega de limpar a área e eliminar todas as provas, inclusive testemunhas. Qualquer pessoa de fora do jogo que tiver alguma probabilidade de saber, o mínimo que seja sobre a Aliança, é eliminado. Não é necessário ter contato com a informação em si, mas apenas ter conhecimento que existe uma informação. Esta prática garante um sigilo tão absoluto para a Aliança, que em termos práticos é como se ela não existisse.

Em muitos momentos a Martelo usa governos, serviços secretos, organizações criminosas e etc, para alcançar seus objetivos. Faz sempre de maneira muito controlada, e toma o cuidado de eliminar quem chegar perto demais da informação. Monitora o trabalho deles, para saber se estão rastreando as atividades do jogo, a fim de desvia-los ou neutraliza-los completamente.

(Continua...)

Texto de Samuel Hermínio

sábado, 18 de julho de 2009

Carta de um animal arrependido - Parte II

(...Continuação)

Carta de um animal arrependido - Parte II


"Quando no alto o céu não era ainda nomeado, nem em baixo a terra tinha nome, Apsu, o primordial, de quem nascerão os deuses,e Tiamat, a genitriz, que os parirá todos, misturaram em um só todas as suas águas, mas não tinham formado as pastagens, nem descobertos os canaviais, quando nenhum dos deuses ainda aparecera, nem era dotado de nome nem provido de destino, então, de seu seio, os deuses foram criados." -- Enuma elish, tablete 1

Neste mundo, este aqui onde vivemos, as amarras sociais existem antes de você se entender como gente. Na verdade, já estavam aqui quando sua mãe e seu pai copulavam e provavelmente muitas gerações antes deles. Tudo já estava decidido, manipulado. Tudo fora designado e arrumado para que as coisas acontecessem como são agora. Todas as mentiras já haviam sido inventadas e contadas milhares de vezes.

Não acredite no que dizem os livros de filosofia. Esqueça as idéias políticas e as análises sociais. São apenas passa-tempo intelectual, para pessoas que se julgam importantes pela inteligência que acreditam possuir. Explicar um mundo complexo a partir de sua própria complexidade é um erro, um abismo sem fundo ladeado por paredes ilusórias e conceitos irreais. Os galhos não conseguem descrever os detalhes do tronco, apesar de nascerem dele. Existem poucas equações capazes de reger o mundo, mas nem sempre os resultados te permitem deduzir a equação primeira.

Desde que sua mãe te pariu, quando você chorou pela primeira vez, lá no início de sua vida, que te enfiam na cabeça nossa fórmula principal: Crescer, crescer, crescer, crescer e crescer. Estagnar é morrer. Expandir-se sempre, rumo ao infinito, é o verdadeiro sentido de nossa existência. A mola mestra desta civilização é a busca irracional pela superação de tudo, sempre. Ser o melhor, ter mais saúde, mais conhecimento, mais diversão, mais prazer, mais mulheres, mais dinheiro... Durante todos os seus dias, o ser humano é treinado e enganado para ir além do que é ou do que possui, a nunca estar satisfeito com nada.

A vida naturalmente impõe suas metas, é óbvio. O que teria acontecido se outro espermatozóide, que não o seu, tivesse fecundado o óvulo de sua mãe? Você com certeza não estaria hoje lendo esta carta. Ameaças se apresentam a cada minuto, ininterruptamente, desde o nascimento da matéria até o dia em que o corpo é vencido ou se entrega. Temos que lutar contra elas, é claro. Oh, mas espere! Nossa sociedade sabe muito bem disto, há séculos. Superamos a natureza, nos impusemos diante dela, a subjugamos em favor de nossa própria vontade. A maior parte destas ameaças hoje é coisa do passado. Somos o animal mais bem adaptado da face da terra, o topo da cadeia alimentar que a todos devora, mas nunca é devorado.

Ainda assim, a eterna busca pela superação continua, como se nada ou ninguém a pudesse parar. Vivemos sempre atrás de novos objetivos, e sofremos quando não possuímos nenhum, como se alguma coisa nos faltasse. É como se o sentido da vida estivesse eternamente para além de si mesma. É um eterno “vir a ser”, subjugando o “ser” que já “é”. Não importa o que digam, este é o alicerce sobre o qual a Aliança nasceu, e talvez por isto ela tenha se tornado tão irresistível para mim.

O que eu quero te dizer é muito simples, meu caro. Para ser curto e grosso, há poucas complexidades no mundo. Esse discurso trivial que te ensinaram, esta linda e maravilhosa falácia de conquista e superioridade, tenta esconder dentro de suas inúmeras frases feitas uma dedução, que de outra forma seria óbvia: tudo tem um limite. Novas metas, grandiosos objetivos ou maiores desafios, oh, que ingênuo! Algum dia a curva linear do crescimento se estagna e pára, depois começa a cair. Então você apenas olha para os lados, procurando um novo rumo, e descobre que não tem mais para onde ir.

Deve ser estranho pra você o que estou escrevendo. Nosso mundo tem enormes oportunidades, a maioria delas inalcançáveis para as pessoas comuns. É uma pena que o brilho nos olhos destes célebres descendentes de macacos venha de tão pouco: não conseguem alcançar o que querem, mas a sua ânsia de busca-las alimenta seus sonhos. Então passam a viver num mundo imaginário onde tudo é possível. O desejo de um futuro próspero gerando forças para enfrentar a dura realidade. Uma tenra felicidade que dura apenas até acordarem, e descobrirem que era tudo ilusão.

Mas lembre-se que estou entre os homens mais ricos do mundo. Tudo o que sua sociedade pode construir, conquistar ou fazer está ao alcance da minha conta bancária. O que poderia desejar que já não tenha conseguido? Suas metas de vida, seus sonhos, seus desafios, qualquer coisa que pra você seja impossível, para mim pode ser conseguido com apenas um ou dois telefonemas. Há pouca coisa por fazer. Da mesma forma que você, eu também vivo nesta sociedade, também fui ensinado a querer mais e mais. No entanto, depois de ter conseguido tudo, esta ânsia por conquista ainda me persegue sem ter nada mais para me dar. Cheguei onde todos os outros seres humanos gastariam de estar, e o prêmio que recebi foi uma quantidade crescente de tédio.

Foi por isso que naquele dia eu não desliguei o telefone. Do outro lado uma voz feminina me dizia tudo o que sou e o que sinto. Ela me conhecia em detalhes, como se houvesse uma telepatia entre nós. Em um momento, me intimidou como se fosse chantagem. Usou o medo para me conduzir a um universo intermediário entre aquilo que afirmo ser e aquilo que realmente sou. Mostrou-me as paredes ilusórias que sustentavam meu castelo de cartas, fazendo-as então desaparecer como se fossem fantasmas.

No momento seguinte, eu estava caindo num abismo. Acredite, meu amigo, que quando você está em queda livre num buraco sem fundo, a última coisa que vai querer é descobrir que existe um fim para a queda. E no entanto existia, lá, bem distante e se aproximando assustadoramente, anunciando a dor que me esperava no choque. Só depois disto ela fez a proposta: uma oportunidade de viver emoções fortes, desafiadoras, conflitantes e inesperadas. O direito de pegar um Deus morto e, ao invés de ressuscita-lo, tomar seu lugar. Uma espécie de desafio que estava muito além do meu dinheiro. Uma semana depois eu me tornava Lord Escher, membro permanente e vitalício da Aliança Divina.

(Continua...)