sábado, 18 de julho de 2009

Carta de um animal arrependido - Parte II

(...Continuação)

Carta de um animal arrependido - Parte II


"Quando no alto o céu não era ainda nomeado, nem em baixo a terra tinha nome, Apsu, o primordial, de quem nascerão os deuses,e Tiamat, a genitriz, que os parirá todos, misturaram em um só todas as suas águas, mas não tinham formado as pastagens, nem descobertos os canaviais, quando nenhum dos deuses ainda aparecera, nem era dotado de nome nem provido de destino, então, de seu seio, os deuses foram criados." -- Enuma elish, tablete 1

Neste mundo, este aqui onde vivemos, as amarras sociais existem antes de você se entender como gente. Na verdade, já estavam aqui quando sua mãe e seu pai copulavam e provavelmente muitas gerações antes deles. Tudo já estava decidido, manipulado. Tudo fora designado e arrumado para que as coisas acontecessem como são agora. Todas as mentiras já haviam sido inventadas e contadas milhares de vezes.

Não acredite no que dizem os livros de filosofia. Esqueça as idéias políticas e as análises sociais. São apenas passa-tempo intelectual, para pessoas que se julgam importantes pela inteligência que acreditam possuir. Explicar um mundo complexo a partir de sua própria complexidade é um erro, um abismo sem fundo ladeado por paredes ilusórias e conceitos irreais. Os galhos não conseguem descrever os detalhes do tronco, apesar de nascerem dele. Existem poucas equações capazes de reger o mundo, mas nem sempre os resultados te permitem deduzir a equação primeira.

Desde que sua mãe te pariu, quando você chorou pela primeira vez, lá no início de sua vida, que te enfiam na cabeça nossa fórmula principal: Crescer, crescer, crescer, crescer e crescer. Estagnar é morrer. Expandir-se sempre, rumo ao infinito, é o verdadeiro sentido de nossa existência. A mola mestra desta civilização é a busca irracional pela superação de tudo, sempre. Ser o melhor, ter mais saúde, mais conhecimento, mais diversão, mais prazer, mais mulheres, mais dinheiro... Durante todos os seus dias, o ser humano é treinado e enganado para ir além do que é ou do que possui, a nunca estar satisfeito com nada.

A vida naturalmente impõe suas metas, é óbvio. O que teria acontecido se outro espermatozóide, que não o seu, tivesse fecundado o óvulo de sua mãe? Você com certeza não estaria hoje lendo esta carta. Ameaças se apresentam a cada minuto, ininterruptamente, desde o nascimento da matéria até o dia em que o corpo é vencido ou se entrega. Temos que lutar contra elas, é claro. Oh, mas espere! Nossa sociedade sabe muito bem disto, há séculos. Superamos a natureza, nos impusemos diante dela, a subjugamos em favor de nossa própria vontade. A maior parte destas ameaças hoje é coisa do passado. Somos o animal mais bem adaptado da face da terra, o topo da cadeia alimentar que a todos devora, mas nunca é devorado.

Ainda assim, a eterna busca pela superação continua, como se nada ou ninguém a pudesse parar. Vivemos sempre atrás de novos objetivos, e sofremos quando não possuímos nenhum, como se alguma coisa nos faltasse. É como se o sentido da vida estivesse eternamente para além de si mesma. É um eterno “vir a ser”, subjugando o “ser” que já “é”. Não importa o que digam, este é o alicerce sobre o qual a Aliança nasceu, e talvez por isto ela tenha se tornado tão irresistível para mim.

O que eu quero te dizer é muito simples, meu caro. Para ser curto e grosso, há poucas complexidades no mundo. Esse discurso trivial que te ensinaram, esta linda e maravilhosa falácia de conquista e superioridade, tenta esconder dentro de suas inúmeras frases feitas uma dedução, que de outra forma seria óbvia: tudo tem um limite. Novas metas, grandiosos objetivos ou maiores desafios, oh, que ingênuo! Algum dia a curva linear do crescimento se estagna e pára, depois começa a cair. Então você apenas olha para os lados, procurando um novo rumo, e descobre que não tem mais para onde ir.

Deve ser estranho pra você o que estou escrevendo. Nosso mundo tem enormes oportunidades, a maioria delas inalcançáveis para as pessoas comuns. É uma pena que o brilho nos olhos destes célebres descendentes de macacos venha de tão pouco: não conseguem alcançar o que querem, mas a sua ânsia de busca-las alimenta seus sonhos. Então passam a viver num mundo imaginário onde tudo é possível. O desejo de um futuro próspero gerando forças para enfrentar a dura realidade. Uma tenra felicidade que dura apenas até acordarem, e descobrirem que era tudo ilusão.

Mas lembre-se que estou entre os homens mais ricos do mundo. Tudo o que sua sociedade pode construir, conquistar ou fazer está ao alcance da minha conta bancária. O que poderia desejar que já não tenha conseguido? Suas metas de vida, seus sonhos, seus desafios, qualquer coisa que pra você seja impossível, para mim pode ser conseguido com apenas um ou dois telefonemas. Há pouca coisa por fazer. Da mesma forma que você, eu também vivo nesta sociedade, também fui ensinado a querer mais e mais. No entanto, depois de ter conseguido tudo, esta ânsia por conquista ainda me persegue sem ter nada mais para me dar. Cheguei onde todos os outros seres humanos gastariam de estar, e o prêmio que recebi foi uma quantidade crescente de tédio.

Foi por isso que naquele dia eu não desliguei o telefone. Do outro lado uma voz feminina me dizia tudo o que sou e o que sinto. Ela me conhecia em detalhes, como se houvesse uma telepatia entre nós. Em um momento, me intimidou como se fosse chantagem. Usou o medo para me conduzir a um universo intermediário entre aquilo que afirmo ser e aquilo que realmente sou. Mostrou-me as paredes ilusórias que sustentavam meu castelo de cartas, fazendo-as então desaparecer como se fossem fantasmas.

No momento seguinte, eu estava caindo num abismo. Acredite, meu amigo, que quando você está em queda livre num buraco sem fundo, a última coisa que vai querer é descobrir que existe um fim para a queda. E no entanto existia, lá, bem distante e se aproximando assustadoramente, anunciando a dor que me esperava no choque. Só depois disto ela fez a proposta: uma oportunidade de viver emoções fortes, desafiadoras, conflitantes e inesperadas. O direito de pegar um Deus morto e, ao invés de ressuscita-lo, tomar seu lugar. Uma espécie de desafio que estava muito além do meu dinheiro. Uma semana depois eu me tornava Lord Escher, membro permanente e vitalício da Aliança Divina.

(Continua...)

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Carta de um animal arrependido - Parte I

Este é o início da trama que norteia a primeira temporada. Ainda estou escrevendo o resto, calma! Daqui a pouco eu saio da ambientação e entro na descrição dos personagens...

--x--

Carta de um animal arrependido


Jogar é um vício. A própria vida é um jogo. Viver é um vício?


Não sei se esta carta vai ser lida por alguém algum dia. Se você acaba de ler, então com certeza eu estou morto. A pergunta é: quem está lendo? Se for alguém do Martelo de Deus, então minha morte deve ter sido lenta e cruel. Se não for, tudo bem. Tome cuidado com o que vai ler, porque aquilo que tenho para te contar é estarrecedor e perigoso. Basta alguém saber que você teve contato comigo e sua vida já corre perigo. Não precisa nem saber o que sei, basta pegar neste papel para se tornar um alvo deles. É uma margem de segurança, sabe: eles nunca correrem riscos, por menores que sejam. E também não cometem erros. Possuem informação, influência, alta tecnologia, muito dinheiro... E nenhuma piedade.


Quando era menino, imaginava um mundo colorido e harmonioso, repleto de guloseimas gostosas e sonhos realizáveis. Não era por menos: meu pai era o quinto homem mais rico do mundo! Você deve estar imaginando o que eu tinha, e provavelmente não chegou nem na metade. Os cifrões abrem todas as portas, derrubam todas as ideologias e removem todos os empecilhos. Não importa o que digam, todos têm o seu preço. Bem, na verdade isso é uma simplificação grosseira. Nem todos são comprados por dinheiro, claro. Mas todos possuem o seu ponto fraco. Para alguns é poder, outros mulher, influência, status, ego, medo. A verdade é que se eu não posso te comprar, compro alguém que arranca de você o que quero.


Meu pai não me negava nada, exceto a si mesmo. Este mundo em que vivo é cercado por assombrações e catacumbas. São pessoas mortas e escravizadas, que se entendem livres quando matam e escravizam os outros. Talvez isso explique o fracasso da nossa sociedade. As pessoas que estão no poder, estas cuja função seria a de te dar conforto e bem estar, não o possuem em si mesmas. É muito fácil lidar com a carne, e é apenas isto o que o dinheiro consegue comprar. Difícil mesmo é acalmar o espírito.


Para meu pai, tudo o que construía, tudo o que fazia, tudo aquilo por algum motivo deveria me agradar. Afinal, era para mim que isto tudo iria servir no futuro, quando ele morresse. Mas eu só queria que ele me amasse, e demonstrasse isso de alguma forma mais... humana! Bens, conforto, poder? Nada disto pode seduzir o coração de uma criança. Elas são simples demais para lidar com estas coisas. O mundo delas é imaginário, idealizado. São apenas sonhos, brincadeiras e sorrisos. Não precisa ter muito, basta não ter fome nem frio e sentir-se seguro.


Quero pedir perdão a humanidade. Sei o que fiz, e fiz coisas estarrecedoras. Quando cresci, não sei porque, fui pouco a pouco sendo seduzido por meu pai e me tornando como ele. Por mais que estivéssemos distantes, sua frieza de alguma forma me alcançou. Comecei a perseguir os mesmos objetivos, a apregoar as mesmas idéias. O menino puro e inocente evoluía.


Isso mesmo: evoluía! Seria o salto da pureza para o abismo uma evolução? É claro que sim! Ora, não se assuste por eu ter usado esta palavra, pois é justamente isso o que nós, homens de boa fé, sabemos fazer de melhor: subverter. Modificamos o mundo e o fazemos nossa imagem e semelhança. Então não se assuste se modificarmos a linguagem para descrever o que queremos. E não falo como membro da Aliança, porque não nos preocupamos com coisas pequenas. São as pessoas de coração puro, como você e seus amigos, quem sustentam as ideologias dos poderosos. Vocês querem ser como nós, e nos aproveitamos disso sem o menor escrúpulo. É mais fácil alcançar o que queremos quando as convenções morais e os prejudicados concordam com o nosso trabalho. Mais ainda quando querem fazer parte dele. Esse é o centro de todos os processos de dominação.


É uma armadilha. Uma bolha, num mundo idealizado e irreal, onde você é o centro de tudo, todos estão aos seus pés e nada pode te faltar. Não dá para saber exatamente quando aquilo te seduz, menos ainda quando você cede. Apenas um dia, um belíssimo dia ensolarado e bonito, você acorda e aceita aquele vazio, aquela monotonia e suas crises existenciais como se fossem parte de sua existência, e não o resultado de seu estilo de vida.


Talvez a característica mais evidente deste processo todo seja a prepotência. Veja bem, eu poderia ter escrito “defeito” ou “qualidade” no lugar de “característica”. É tudo um mero ponto de vista, que no meu caso não tem a menor importância. É novamente aquela coisa de subverter as palavras, de usar o vocabulário adequado contra aquele que você quer convencer. É um jogo de idéias. No entanto, pense bem nesta palavra. Ela é o centro de tudo!


As pessoas no meu mundo são incrivelmente individualistas. É muito óbvio, quando se imagina um garoto que nunca foi contrariado na vida. Eu não tinha como desenvolver a tolerância em um meio social onde as pessoas nunca entravam em conflito comigo. Isso é regra para todas as crianças com um poder aquisitivo similar ao meu. Um adulto que enxerga o mundo como objeto de sua própria diversão é resultado natural do processo. Eu sinto muito! Infelizmente, são estas as pessoas que decidem o futuro da humanidade.


Quando meu pai morreu eu assumi os negócios. Não quero entrar neste detalhes, são enfadonhos demais. Quando tudo aconteceu eu comecei a perguntar para que servia tanto dinheiro, se eu não tinha condições de gastar nem mesmo uma pequena fração de seu valor. Se eu limpasse o rabo com uma nota de cem dólares, a cada minuto, durante todos os minutos do dia, sem parar para descansar nem dormir, durante 400 anos não conseguiria gastar minha fortuna, e os trocados que sobrassem davam para financiar a economia de um pequeno país. Não me pergunte por que cargas d'água eu me dedicava tanto para mante-la, nem porque tantas vidas se perderam para sustenta-la.


Tanta gente passa fome e eu sozinho tenho dinheiro para resolver o problema da maioria delas. Mas a maior injustiça é que a fome delas paga meu salário. Ora, calma! Não me chingue ainda. Esse mundo é irracional, eu só posso te dizer isso. Sou cria dele, e você também é. Somos a mesma coisa em contextos diferentes.


Muitos de vocês, a esmagadora maioria para dizer a verdade, fariam mais do que fiz para estar onde estou. Então não venha com esta hipocrisia de valores morais e éticos, esta coisa de humanidade. É tudo um jogo, e só ganha quem não se importar com o que os outros estão a perder. Eu sou só um ser humano como todos os outros, e sou minoria. Se a humanidade não concordasse com aquilo que faço, não estaria onde estou. E concordam porque querem jogar, querem ganhar meu lugar. É como se eu fosse uma espécie de desafio. Ganhei, e se perdesse estaria aí com você, então ninguém pode me acusar de ser injusto ao fazer com os outros o que eles gostariam de fazer comigo. É assim: você entra no jogo e tem que aceitar todas as cartas que vier no baralho.

Mas não é pra falar mal da humanidade que estou escrevendo. Vocês não são perigosos. Sua sociedade cruel e demente foi direcionada nós, mas construída e sustentada por vocês. É tudo uma farça, uma orquestração para mante-los sob nosso controle. Vocês concordam com isto, desde que tenham a chance de também controlar. É uma pena que a palavra "chance" não queira dizer "oportunidade". Enquanto houver ganância, a irracionalidade coletiva vai manter os poderosos onde estão. Para quem está no topo não existem ameaças.

Não me arrependeria de ser parte de SUA sociedade, muito menos de estar entre os mais bem sucedidos. Não, não é isso o que me atormenta. O que tenho pra dizer é coisa muito pior... É algo que está além daquilo que você considera seguro. Penso apenas no que fiz. Queria imaginar que aquele dia nunca tivesse existido, que eu simplesmente tivesse desligado o telefone. Tudo agora estaria como sempre foi. Mas os métodos de persuação deles são fortes. E eu não resisti!

(Continua...)

quarta-feira, 15 de julho de 2009

O que é O Jogo?

O jogo é uma soma de idéias com o objetivo de fortalecer e dinamizar a cultura local. Baseia-se na construção coletiva de uma historia, que é mostrada em várias linguagens artísticas tais como Rpg de mesa, História em quadrinhos e audiovisual (curta-metragem).

A proposta é movimentar, incentivar e dar visibilidade ao artista local. É uma grande luta pela difusão do Rpg de mesa, e um hobbie tão aprecisado por poucos, O DESENHO, transformamdo-os em produto cultural! E também dar continuidade na produção de video aqui em nossa cidade.

Publico alvo?

- Mestres & players de Rpg
- Denhista amadores de mangá e Hq (comic americano)
- Atores e atrizes amadores
- Escritores
- Produtores de vídeo
- Pessoas com idéias malucas...
- Nerds viciados em ficção cientifica...

Funciona assim:

1) Damos um argumento. No nosso caso, o enredo também tem a ver com jogo.
2) Um grupo de amigos transforma o argumento em jogo RPG.
3) As partidas de RPG são gravadas em áudio, que é então entregue a um grupo de roteiristas.
4) Os roteiristas transformam o áudio em roteiro. No nosso caso, um de vídeo e outro de quadrinhos.
5) Fazemos as filmagens e desenhamos os quadrinhos.
6) Distribuímos o material.


Esta proposta se expande por muitas dimensões:

- Em primeiro lugar, O Jogo é um projeto. Busca unir RPG, histórias em quadrinhos e audiovisual na construção de uma série dividida em três temporadas de um ano cada. No processo esperamos consolidar uma proposta de trabalho coletivo, capaz de produzir e distribuir literatura, revistas e vídeo. Neste caso, é acima de tudo um laboratório experimental com interesse em fechar uma rede que estenda por toda a cidade.

- O Jogo é uma série. Com elementos visuais dentro da proposta de Esc Man 2 (feito pelo pessoal da FASET - assista aqui), Tissão - O Primeiro Combate (BTN II - assista aqui), e outros mais elaborados, queremos fazer filmes curta metragens interligados por uma trama em comum.

- O Jogo é uma história em quadrinhos. Dividida em várias exemplares por temporada (provavelmente 12), a trama de O Jogo tem seu desenvolvimento desenhado por artistas locais, a maioria desconhecidos e sem expressão.

- O Jogo é um jogo. Acreditamos no potencial do RPG para incentivar a literatura e construir o direcionamento de histórias. O argumento de O Jogo é transformado em um jogo RPG, que então é jogado por um grupo. As partidas tem seu áudio gravado e o material é enviado para dois roteiristas. Um deles cria o roteiro de vídeo e o outro de quadrinhos. Na prática, cada episódio tende a ter características muito próprias, visto que cada grupo faz partidas totalmente diferentes entre si, tendo seu próprio direcionamento.

- O Jogo é uma articulação social. A melhor forma de divulgar e distribuir um material cultural sem gastar dinheiro é o famoso boca-a-boca. Supomos duas coisas: 1) A pessoas, ao participarem de um projeto, querem que seus amigos e familiares tenham acesso aos resultados; 2) Quanto mais gente falar de um projeto, mais as outras pessoas vão ficar curiosas para conhece-lo. Assim, estamos querendo acabar com a distância entre consumidor e produtor, entre artista e público. Ambos são a mesma pessoa, que se manifesta de uma forma ou de outra em um determinado momento. Todos são capazes de fazer arte, e têm interesse em consumi-la.

- O Jogo é uma escola. Tecnicamente, temos muito potencial. Interessa que este seja aperfeiçoado, e que cada vez mais pessoas tenham acesso a este conhecimento. As três temporadas de O Jogo possuem níveis crescentes de dificuldade. A trama nasce clichê e evolui para um complexo emaranhado de eventos, que se ramificam de muitas maneiras e abrem muitos debates. Nos vídeos, começamos investindo em recursos visuais, depois nos prendemos mais na direção e seguimos para a dramaticidade da história. Nos quadrinhos evoluimos o traço e a abordagem visual. No RPG a capacidade imaginativa e o trabalho com multiplos personagens. No meio do caminho, muito debate sobre filosofia, sociologia, política internacional e atualidades.

- O Jogo é marketing. Queremos levar o artista local ao conhecimento do grande público. Dentro do audivoisual podemos divulgar música e artes cênicas. Através dos quadrinhos mostramos os desenhistas da nossa cidade. Mostramos os escritores através de seus roteiros. Mostramos a capacidade de provocação que o RPG proporciona, quebrando preconceitos. Entendemos que as pessoas de Paulo Afonso devem ter acesso e valorizar o artista local, e o único caminho é mostrando que podemos competir com qualquer outro de fora. No Projeto O Jogo, toda a produção prioriza trabalho local.

- O Jogo é uma provocação. A prática completa qualquer teoria. Não adianta apenas dizer que é necessário criar uma nova cadeia produtiva de cultura. Precisamos mostrar as alternativas, e provar que estas têm futuro. Hoje o mundo contesta alguns valores defendidos arduamente pela industria cultural há anos. A posse dos direitos autorais é deixada de lado deliberadamente, a distribuição do produto deixa as prateleiras das lojas e busca formas auto sustentáveis de encontro com o público. Não dá mais para ficar sentado, esperando que alguém caia do céu para patrocina-lo. O que funciona mesmo é ter atitude e capacidade de inovação. Em nossa cidade as idéias inovadoras ainda não chegaram. Não existe uma busca por identidade e alternativas. Aqui, o Underground é uma espécie de convencional frustrado, e não uma opção. Queremos simplesmente ser diferentes, traçar nosso próprio caminho, e esquecer as vias tradicionais, substituindo-as por outra mais adequada a nossa identidade.


Radical demais??? Imagina....

terça-feira, 14 de julho de 2009

Conjuntura, opinião e ativismo

Há cerca de dois anos atrás eu Chuck discutíamos a conjuntura local, partindo principalmente da música. Há muito tempo eu e Aristóteles discutíamos literatura. Junto com Bosco e Antônio falávamos de teatro. Várias realidades diferentes que enfrentam o mesmo problema: oportunidade. Não há espaço para o artista local dentro de sua própria cidade, seja qual for a linguagem escolhida.

Em meados de 2005, em uma lista de discussão da internet, eu conversava com amigos sobre literatura e o centro do debate era o mesmo: a falta de oportunidade para o artista local. Prova de que o problema não se resume a nossa cidade.

Pesquisei muito sobre isso. Há um trabalho interessante sobre o mercado de livros publicado pelo BNDES, que dá algumas pistas sobre onde se encontra o problema. Você pode baixa-lo aqui: http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/bndes_pt/Galerias/Arquivos/conhecimento/ebook/ebook.pdf. A realidade de outras mídias não está muito distante dos livros.

As cadeias produtivas de bens culturais, principalmente música, literatura e video, são alicerçadas em modelos caros e difíceis de manter em pequena escala. Usam técnicas que priorizam o baixo custo do objeto unitário, exigindo como contrapartida uma grande quantidade de cópias. Só para se ter uma idéia, a tiragem ideal de um livro na editora é de 3 mil ou 30 mil exemplares. Há um risco inerente a este ramo, que é o de encalhe do exemplar nas prateleiras da loja, e isso acontece mesmo com autores renomados. A prática mais comum é as editoras repassarem o prejuízo dos livros que vendem menos para os livros que vendem mais, elevando o preço de todos. Quanto mais cresce a estrutura da empresa, mais vultosos os custos e maiores devem ser os resultados. Para qualquer editora, seja de pequeno, médio ou grande porte, é inviável patrocinar um escritor desconhecido.

Para se manter no mercado os gigantes da cultura precisam se aliar com os gigantes da mídia, a fim de alcançar um público na altura de seus orçamentos. Aqui o artista local sofre seu maior golpe: TVs, rádios, jornais impressos e outras mídias ficam restritos a grupos pequenos, que defendem interesses próprios e não se interessam por eventos de pouca expressão. Além de não ser o seu foco de interesse, e de não dar retorno financeiro nenhum, é simplesmente impossível que uma emissora como a Rede Globo, cuja programação atinge milhões de brasileiros em cada um dos quatro cantos do país, abra espaço em sua programação para qualquer coisa que esteja misturada à multidão. É necessário se sobressair, e nesse caso o filtro é audiência ou investimento externo. Na última instância, ou você é muito conhecido ou tem muito dinheiro.

Tudo isso fez agente colocar os pés no chão: não temos como competir nesses mercados. Avaliando os comentários de mesa de bar e cachaçada, vemos que a maioria dos artistas ainda sonham com expressão regional e até nacional. Todos pensam em um belo dia sobreviver de sua arte, e para isso o único caminho óbvio é a cultura de massa. Alguns poucos até vão conseguir, mas a esmagadora maioria não. Vejo muitos peixinhos inocentes empenhados em conquistar espaço junto aos tubarões. Se esquecem de buscar outros peixinhos que nadam com eles.

A lógica de produção e distribuição tradicionais não foram feitas para artistas desconhecidos nem para pluralidade de idéias, mas apenas para aquelas formas pre-concebidas e fáceis de vender que nos assediam a cada esquina. Se quisermos ter espaço, temos que ter ousadia e ser radicais. Ao invés de ficar dependendo de interesses alheios, devemos procurar criar nosso próprio mercado.

Desde 2005 venho tentando descobrir como seria a cara deste novo mercado. De início, o foco era aprender a fazer, de um jeito que fosse barato e viável. Veio daí a idéia (que debati com um grupo na internet) de criar editoras independentes que usavam computadores comuns e técnicas de encadernação artesanais para fazer livros. Depois a concepção de que o mesmo equipamento poderia gravar um CD. Algum tempo depois acrescentei uma máquina fotográfica para fazer filmes. São áreas muito próximas. O interessante é que o custo é baixo, a produção pode ser feita de um para um (apenas um exemplar para um comprador) e o equipamento já existe em muitas casas.

Nesta fase nasceram meus dois livros, Dejetos sólidos a Caminho do Mar e Cada Kbeça é Um Mundo, o livro Histórias Sórdidas de Amor e Contemplação, de Aristóteles Santana, o CD Pungente, de Saulo (junto com alguns clipes), e o filme curta metragem A Cidade (autoria de Aristóteles Santana e roteiro meu).

Nos últimos dois anos o debate se concentrou na divulgação e distribuição do material. Foi quando surgiu a revista Xicultura (junto com Aldo e Bruno) e o Xicultura Festival. Depois, já em conjunto com Chuck, o Atitude Coletiva e o longa metragem Sonoro Silêncio. Tudo laboratório para definir um caminho viável e consistente de produção e escoamento da cultura de nossa cidade.

Para dar uma idéia de mercado, em todos os casos a média de vendas se aproxima de 100 exemplares. A divulgação foi no famoso boca-a-boca. Nenhum dos artistas tinha expressão fora de seus círculos de amizade. Isso sinaliza o que pode ser vendido sem investimento em marketing, através de redes sociais.

Pensando neste potencial unitário das relações sociais, eu venho discutindo com Chuck uma nova conjuntura de mercado. Não temos dinheiro para investir, mas temos formas baratas de produzir, e a pergunta agora é como aumentar o escoamento desta produção. Temos uma aposta:

1) Trabalhar a coletividade e a ajuda mútua para reduzir os investimentos individuais.
2) Envolver a maior quantidade possível de pessoas na produção, a fim de que estes também possam depois ajudar no escoamento do material e no marketing boca-a-boca. Em um cenário ideal, este fator de 100 dito anteriormente ficaria então multiplicado pela quantidade de pessoas envolvidas.
3) Investir na soma de linguagens, para potencializar a divulgação de muitos artistas em poucos trabalhos.
4) Utilizar sempre, única e exclusivamente, ao extremo e acima de qualquer dificuldade, o trabalho autoral feito por pessoas da cidade. Nada, absolutamente nada mesmo, vem de fora, exceto o que a nossa cidade não tem.

Este último item merece uma atenção especial: Se o artista, independente e desconhecido, não tem a coragem de dar valor a outros artistas independentes e desconhecidos, iguais a ele, ninguém mais o fará. Nem mesmo os outros artistas, que pensam da mesma forma. Não existe sucesso individual em uma cena desunida. Esqueçam os nomes consagrados, a mídia de massa já dá conta de divulgar todos eles. Temos ao nosso lado muitos outros que precisam se divulgar e nunca terão espaço. Ajudemos uns aos outros para juntos sairmos do anonimato.

É neste contexto que estamos lançando o projeto O Jogo. Paulo Afonso tem uma cena audiovisual prestes a explodir. De filmes documentários a cena vem evoluindo gradualmente para a produção independente de curtas e longas metragens baseados em histórias fictícias. Audiovisual é uma linguagem estratégica, pois concentra muitas outras em sua formação: literatura (na construção do roteiro), música, artes cênicas e a própria produção de vídeo, se considerarmos apenas as mais óbvias. Além do mais, tem penetração garantida em todas as casas, independente de escolaridade ou classe social. É o meio de divulgação ideal.

Estamos somando a isto um trabalho voltado para histórias em quadrinhos, a fim de aproveitar os desenhistas que se perdem antes de tornarem-se profissionais. E por fim o RPG, um tipo de jogo de interpretação que tem muita familiaridade com a literatura e o teatro, que acreditamos ser capaz de direcionar a construção de roteiros.

Com este projeto, queremos tentar dar os rumos de uma cultura local bem estruturada e firme. Só para se ter uma idéia, 1% da nossa população poderia sustentar uma cena de qualquer linguagem. Hoje, os sucessos de público contam em média com metade disto. Não estamos muito longe. Basta acreditarmos em nosso potencial, e unirmos nossas forças para superarmos as dificuldades.

Texto de Samuel Hermínio

Acordando para um pesadelo

"A vida é um jogo. Ganhar ou perder são meras partes do processo. Nada, absolutamente nada é importante, exceto jogar. Neste exato momento, em algum lugar do mundo, está posto o tabuleiro. Senhoras e senhores: façam suas apostas!"


Em um quarto, JOSÉ acorda. Está deitado em uma cama de solteiro, virado para cima. Abre lentamente os olhos. Sente-se mal, como alguém que está de ressaca. Sente dores. Leva as mãos à cabeça, por causa da dor. Olha para os lados.

O quarto é simples, sem muita decoração. Possui um banheiro. Tem aspecto semelhante a um quarto de hotel, mas não há nenhum item que o caracterize como tal.

Levanta-se devagar. Olha ao redor mas não sabe onde está. Está confuso.

Tenta levantar-se, mas a cabeça dói mais. Fica sentado na cama, com as mãos na cabeça, os cotovelos apoiando-se nos joelhos. Sua mente busca respostas...

"Onde estou? Quem sou eu? O que aconteceu comigo? Porque sinto tanta dor?"

Em algum outro lugar do mundo um grupo de olhares o observa. É uma sala de controle. Tem muitos monitores de vídeo e computadores. Ouve-se RUÍDOS de teclados sendo digitados, bips, telefones e grande movimentação. Mais acima uma sala despojada, com poltronas confortáveis e aconchegantes serve como observatório de tudo o que acontece no lugar.

Os monitores de vídeo possuem imagens de lugares e pessoas. As telas dos computadores sugerem funções de monitoramento e espionagem. Os monitores principais mostram ângulos diferentes do quarto de José.

Em um dos computadores está a imagem de José no quarto, e sobreposta a ela várias informações sobre seus sinais vitais. Em outro computador está a imagem de um mapa. Dois pontos de cores diferentes piscam, ambos distantes entre si. Um deles se movimenta pelo mapa e outro está parado.

- Está na hora, faça-o sair do quarto.

Em um dos computadores é digitado um comando: "ATIVAR". Na tela aparece a mensagem: "CONFIRMA ATIVAÇÃO?". Resposta afirmativa.

SOM DE MODEM em comunicação. José sente sua dor de cabeça tornar-se insuportável. Cai no chão, gemendo, em posição fetal, com as mãos na cabeça.

No computador é dado o comando: "ENVIAR COORDENADAS".

- X -

José está no chão. Sua dor de cabeça diminui de intensidade. Levanta-se lentamente, a muito custo. SAI para o BANHEIRO.

ENTRA, olha-se no espelho tentando se reconhecer, lembrar algo. Acaricia o próprio rosto, como se fosse ele mesmo um estranho. Está suado, pálido. A cabeça dói intermitentemente.

A cabeça volta a doer violentamente, insuportável. José entra em desespero. Como alguém que tenta fugir da dor, SAI rapidamente para o QUARTO.

José cai de joelhos, com as mãos na cabeça. Olha para a porta. A porta cresce em importância. José pede ajuda.

- Mas o que é isto? O que está acontecendo comigo?

Mas quem ali poderia ouvi-lo? Grita de dor. Levanta-se e corre em desespero para a porta. SAI.

José corre pela cidade em velocidade absurdamente alta, muito superior inclusive a dos automóveis. Na sala de controle os monitores de vídeo e computadores acompanham sua movimentação. Em um mapa, dois pontos coloridos podem ser observados. Um deles, que a pouco estava em movimento, agora se encontra parado. O outro agora se movimenta, indo na direção do primeiro.

O destino é um galpão abandonado, longe da cidade. José não consegue parar, e choca-se em alta velocidade com uma pilha de lixo. Levanta-se. ainda sente dores na cabeça e no corpo. Olha para o galpão. Algo ali o impressiona, chama a sua atenção. Dirige-se para dentro.

Entra, cambaleante. Cai de joelhos, sentindo muita dor de cabeça. No lado oposto à porta de entrada está OPONENTE, sentado com o rosto voltado para o chão.

- Estava te esperando. Por que demorou?

Hergue-se devagar, com firmeza. Enquanto levanta-se, encara José: um olhar de fúria e superioridade, pedindo sangue.

- Quem é você? Porque estamos aqui?

Oponente se teletransporta para onde está José. Dá um chute tão forte que este bate violentamente contra a parede. Oponente vai até ele e o levanta pelo pescoço. Joga-o contra a parede do outro lado.

José se levanta, lentamente, mas com raiva. Põe-se em posição de luta. Suas mãos começam a brilhar. Faz um movimento e solta uma bola de energia na direção de Oponente, que é atingido e jogado contra a parede.

José se assusta com seus poderes, sem saber como fez aquilo. Oponente levanta-se. José corre em alta velocidade em sua direção.

Oponente se teletransporta e intercepta José no caminho, derrubando-o. Ambos se envolvem em uma luta corporal.

- O que você quer? Porque estamos nos destruindo?
- Saber não vai mudar nada. Quem você é, o seu passado, nada disso tem mais importância. A sua vida agora se resume a matar e morrer!

José joga Oponente contra a parede. Está confuso e desesperado. Não quer acreditar. Seu corpo vai se iluminando lentamente, formando uma aura de energia ao redor. Está em desespero.

- Não! Não pode ser!É mentiraaaa!

José faz um movimento. Toda a energia que se formou é concentrada em um raio que vai na direção de Oponente, fulminando-o. José cai de joelhos.

José percebe que matou Oponente. Faz que vai até o corpo, mas permanece onde está.

- Não! Nãããããããooooooo!!!!!!!!!!

José chora.

Na sala de controle os monitores principais mostram José. Em um dos computadores a mensagem: "OPONENTE ANIQUILADO. FIM DO JOGO". Em outro computador a imagem de José, com gráficos sobrepostos indicando seus sinais vitais. Em outro, a imagem de Oponente, com gráficos sobrepostos indicando sua morte.

- Ele é forte demais. O que vai fazer se sair do controle?
- Apenas me pague o que deve!
- Essa coisa de acrescentar sempre mais energia está ficando perigoso. Algum dia não conseguiremos mais evitar as vidas inocentes.

A resposta é uma risada sarcástica, sonora e demorada.

"Há muitos tipos de jogos, mas os jogos emocionantes sempre têm um lado que ganha e outro que perde. O vencedor ganha a glória. O perdedor herda o ônus da queda".

Texto de Samuel Hermínio