terça-feira, 14 de julho de 2009

Conjuntura, opinião e ativismo

Há cerca de dois anos atrás eu Chuck discutíamos a conjuntura local, partindo principalmente da música. Há muito tempo eu e Aristóteles discutíamos literatura. Junto com Bosco e Antônio falávamos de teatro. Várias realidades diferentes que enfrentam o mesmo problema: oportunidade. Não há espaço para o artista local dentro de sua própria cidade, seja qual for a linguagem escolhida.

Em meados de 2005, em uma lista de discussão da internet, eu conversava com amigos sobre literatura e o centro do debate era o mesmo: a falta de oportunidade para o artista local. Prova de que o problema não se resume a nossa cidade.

Pesquisei muito sobre isso. Há um trabalho interessante sobre o mercado de livros publicado pelo BNDES, que dá algumas pistas sobre onde se encontra o problema. Você pode baixa-lo aqui: http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/bndes_pt/Galerias/Arquivos/conhecimento/ebook/ebook.pdf. A realidade de outras mídias não está muito distante dos livros.

As cadeias produtivas de bens culturais, principalmente música, literatura e video, são alicerçadas em modelos caros e difíceis de manter em pequena escala. Usam técnicas que priorizam o baixo custo do objeto unitário, exigindo como contrapartida uma grande quantidade de cópias. Só para se ter uma idéia, a tiragem ideal de um livro na editora é de 3 mil ou 30 mil exemplares. Há um risco inerente a este ramo, que é o de encalhe do exemplar nas prateleiras da loja, e isso acontece mesmo com autores renomados. A prática mais comum é as editoras repassarem o prejuízo dos livros que vendem menos para os livros que vendem mais, elevando o preço de todos. Quanto mais cresce a estrutura da empresa, mais vultosos os custos e maiores devem ser os resultados. Para qualquer editora, seja de pequeno, médio ou grande porte, é inviável patrocinar um escritor desconhecido.

Para se manter no mercado os gigantes da cultura precisam se aliar com os gigantes da mídia, a fim de alcançar um público na altura de seus orçamentos. Aqui o artista local sofre seu maior golpe: TVs, rádios, jornais impressos e outras mídias ficam restritos a grupos pequenos, que defendem interesses próprios e não se interessam por eventos de pouca expressão. Além de não ser o seu foco de interesse, e de não dar retorno financeiro nenhum, é simplesmente impossível que uma emissora como a Rede Globo, cuja programação atinge milhões de brasileiros em cada um dos quatro cantos do país, abra espaço em sua programação para qualquer coisa que esteja misturada à multidão. É necessário se sobressair, e nesse caso o filtro é audiência ou investimento externo. Na última instância, ou você é muito conhecido ou tem muito dinheiro.

Tudo isso fez agente colocar os pés no chão: não temos como competir nesses mercados. Avaliando os comentários de mesa de bar e cachaçada, vemos que a maioria dos artistas ainda sonham com expressão regional e até nacional. Todos pensam em um belo dia sobreviver de sua arte, e para isso o único caminho óbvio é a cultura de massa. Alguns poucos até vão conseguir, mas a esmagadora maioria não. Vejo muitos peixinhos inocentes empenhados em conquistar espaço junto aos tubarões. Se esquecem de buscar outros peixinhos que nadam com eles.

A lógica de produção e distribuição tradicionais não foram feitas para artistas desconhecidos nem para pluralidade de idéias, mas apenas para aquelas formas pre-concebidas e fáceis de vender que nos assediam a cada esquina. Se quisermos ter espaço, temos que ter ousadia e ser radicais. Ao invés de ficar dependendo de interesses alheios, devemos procurar criar nosso próprio mercado.

Desde 2005 venho tentando descobrir como seria a cara deste novo mercado. De início, o foco era aprender a fazer, de um jeito que fosse barato e viável. Veio daí a idéia (que debati com um grupo na internet) de criar editoras independentes que usavam computadores comuns e técnicas de encadernação artesanais para fazer livros. Depois a concepção de que o mesmo equipamento poderia gravar um CD. Algum tempo depois acrescentei uma máquina fotográfica para fazer filmes. São áreas muito próximas. O interessante é que o custo é baixo, a produção pode ser feita de um para um (apenas um exemplar para um comprador) e o equipamento já existe em muitas casas.

Nesta fase nasceram meus dois livros, Dejetos sólidos a Caminho do Mar e Cada Kbeça é Um Mundo, o livro Histórias Sórdidas de Amor e Contemplação, de Aristóteles Santana, o CD Pungente, de Saulo (junto com alguns clipes), e o filme curta metragem A Cidade (autoria de Aristóteles Santana e roteiro meu).

Nos últimos dois anos o debate se concentrou na divulgação e distribuição do material. Foi quando surgiu a revista Xicultura (junto com Aldo e Bruno) e o Xicultura Festival. Depois, já em conjunto com Chuck, o Atitude Coletiva e o longa metragem Sonoro Silêncio. Tudo laboratório para definir um caminho viável e consistente de produção e escoamento da cultura de nossa cidade.

Para dar uma idéia de mercado, em todos os casos a média de vendas se aproxima de 100 exemplares. A divulgação foi no famoso boca-a-boca. Nenhum dos artistas tinha expressão fora de seus círculos de amizade. Isso sinaliza o que pode ser vendido sem investimento em marketing, através de redes sociais.

Pensando neste potencial unitário das relações sociais, eu venho discutindo com Chuck uma nova conjuntura de mercado. Não temos dinheiro para investir, mas temos formas baratas de produzir, e a pergunta agora é como aumentar o escoamento desta produção. Temos uma aposta:

1) Trabalhar a coletividade e a ajuda mútua para reduzir os investimentos individuais.
2) Envolver a maior quantidade possível de pessoas na produção, a fim de que estes também possam depois ajudar no escoamento do material e no marketing boca-a-boca. Em um cenário ideal, este fator de 100 dito anteriormente ficaria então multiplicado pela quantidade de pessoas envolvidas.
3) Investir na soma de linguagens, para potencializar a divulgação de muitos artistas em poucos trabalhos.
4) Utilizar sempre, única e exclusivamente, ao extremo e acima de qualquer dificuldade, o trabalho autoral feito por pessoas da cidade. Nada, absolutamente nada mesmo, vem de fora, exceto o que a nossa cidade não tem.

Este último item merece uma atenção especial: Se o artista, independente e desconhecido, não tem a coragem de dar valor a outros artistas independentes e desconhecidos, iguais a ele, ninguém mais o fará. Nem mesmo os outros artistas, que pensam da mesma forma. Não existe sucesso individual em uma cena desunida. Esqueçam os nomes consagrados, a mídia de massa já dá conta de divulgar todos eles. Temos ao nosso lado muitos outros que precisam se divulgar e nunca terão espaço. Ajudemos uns aos outros para juntos sairmos do anonimato.

É neste contexto que estamos lançando o projeto O Jogo. Paulo Afonso tem uma cena audiovisual prestes a explodir. De filmes documentários a cena vem evoluindo gradualmente para a produção independente de curtas e longas metragens baseados em histórias fictícias. Audiovisual é uma linguagem estratégica, pois concentra muitas outras em sua formação: literatura (na construção do roteiro), música, artes cênicas e a própria produção de vídeo, se considerarmos apenas as mais óbvias. Além do mais, tem penetração garantida em todas as casas, independente de escolaridade ou classe social. É o meio de divulgação ideal.

Estamos somando a isto um trabalho voltado para histórias em quadrinhos, a fim de aproveitar os desenhistas que se perdem antes de tornarem-se profissionais. E por fim o RPG, um tipo de jogo de interpretação que tem muita familiaridade com a literatura e o teatro, que acreditamos ser capaz de direcionar a construção de roteiros.

Com este projeto, queremos tentar dar os rumos de uma cultura local bem estruturada e firme. Só para se ter uma idéia, 1% da nossa população poderia sustentar uma cena de qualquer linguagem. Hoje, os sucessos de público contam em média com metade disto. Não estamos muito longe. Basta acreditarmos em nosso potencial, e unirmos nossas forças para superarmos as dificuldades.

Texto de Samuel Hermínio

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